segunda-feira, 25 de outubro de 2010

18 de Junho de 2010...

Naquele dia escrevi assim:

Aquilo que senti hoje ao ligar a televisão só me lembro de o sentir, de uma forma muito semelhante, quando Amália Rodrigues morreu. Admito que nunca apreciei a sua obra, mas apreciava o seu enorme papel, com um grande sentimento de patriotismo, em levar o nome do nosso país e do nosso Fado tão longe e com tanta qualidade e genuinidade. Nesse dia senti tristeza por ter desaparecido alguém que, na minha mente de então (mente de uma criança), nunca iria desaparecer. Gente dessa não podia desaparecer, pensava eu.
Hoje liguei a televisão... José Saramago morreu...
Diria que o sinal de pontuação com o qual mais me identifico é as reticências. Quando escrevo alguma coisa uso-as com muita frequência. Gosto do papel que desempenham: deixar que cada um continue a frase que iniciei. Aquela ideia de algo inacabado agrada-me. Agora quando escrevi "José Saramago morreu..." usei as reticências porque aquilo que ele representa não acabará. Mais do que nunca agradou-me usá-las. A morte do homem não correspondem de forma alguma, à morte e esquecimento daquilo que esse homem nos deixou.
Sem dúvida alguma que a escrita e leitura agradam-me muito mais que o Fado. Apesar disso, ambas as personalidades referidas deixam-me, ainda mais, orgulhosa em ser Portuguesa, em fazer parte do mesmo país que elas. Por isso, mesmo não apreciando o Fado de Amália, no dia da sua morte senti a mesma tristeza que agora sinto...
"Conheci" José Saramago no Memorial do Convento. Nesse livro passei a "conhecer" o Saramago que escrevia. Foi o primeiro encontro. Seguiram-se Jangada de Pedra, Caim, Ensaio sobre a Lucidez e, por fim, A Viagem do Elefante (encontro esse que ainda não terminou).
Fico triste. Mas, neste momento, acho que não podia haver melhor sinal de gratidão a esse grande escritor, do que escrever estas palavras... Todos, neste momento, do mais pequeno ao mais velho, devíamos estar a escrever... Escrever qualquer coisa. Fosse o que fosse, devíamos estar a escrever como forma de homenagear alguém que enquanto escreveu nos homenageava a todos nós Portugueses. Levando aos vários cantos do mundo aquilo que é só nosso, único, sem acordo ortográfico, que nos caracteriza e nos fornece identidade: a Língua Portuguesa.

domingo, 6 de junho de 2010

" Como tu disseste encaro tudo positivamente, pois a vida é bela. Dá-nos muitos desgostos, mas no fundo temos sempre outra porta, se levares a vida na desportiva e se tiveres calma e enfrentares os problemas com frontalidade e sem dramas... a vida é tão breve para estarmos nervosos com as coisas, por isso o melhor é que tudo seja belo..."
2006

Embora estas palavras já tenham alguns anos, e mesmo as condições em que foram ditas já não existam, continuam actuais...

Agora, neste momento, em que não consigo encarar as coisas com a "descontração" que me pedias, sinto mais a falta de tanto que ficou por viver desde então... parece que houve um corte no tempo... parece irreal... ainda custa a acreditar...

Porquê que coisas como aquelas nos acontecem? Porquê que aquilo tinha que acontecer a nós?

Custa cruzar -me na rua e fingir que és um desconhecido. A ti não te custa???

Nesses encontros fugazes deixo de ser eu... deixo de me conhecer ... deixo de saber quem sou...

...porque a Liliana nunca passaria por ti sem pelo menos sorrir...

Tenho muitas saudades...

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Escolha

É em momentos como este em que nós, humanos, deparamo-nos com os nossos limites, medos, fantasmas, com as mais profundas dúvidas e os mais profundos dilemas que nos assaltam a alma.
É em momentos como este que sentimos que ficou tanto por fazer e outro tanto por dizer.
É em momentos como este que percebemos o verdadeiro significado de palavras que desde sempre ouvimos dizer, que são utilizadas por tudo e por nada, a qualquer instante, em qualquer contexto, desprovidas de qualquer sentido ou significado.
Se na presença também se pode viver a ausência; se na ausência, por vezes, vive-se a presença; é certo que na eminência da ausência, uma ausência sem data limite, não se é capaz de aproveitar o pouco que nos resta da presença. Perdemo-nos em sofrimentos antecipatórios... palmilhamos terrenos de um tempo que ainda não chegou. Mas, mesmo assim percorremos esses terrenos escuros como se a hora já tivesse chegado.
Prepararmo-nos para o que virá? "Aceitar"? "Conformar"?
Creio que no que toca ao sofrimento não precisamos de estágio, em jeito de preparação...
Custa... Dói... Aterroriza... Deixa-nos impotentes...
Por vezes, deixa-nos num estado em que queremos camuflar a situação, viver à margem dela. No fundo, e em bom Português, "tapar o sol com uma peneira".
Mas escolher esta opção não é de todo a solução.
Viver numa não realidade, numa meia verdade, viver uma irrealidade à margem do real, leva-nos a momentos de confronto com esse real. Confrontos nos quais não sabemos agir, isto porque não o estamos a viver em toda a sua plenitude: sentir a dor quando for para a sentir, chorar quando a nossa alma nos pedir, sentir o alívio após a tensão, o descontrolo.
Vivemos num sofrimento limitado, pensamos nós. Mas ele acabará por transbordar as barreiras por nós erguidas.
É difícil gerir o sofrimento. É difícil tentar escrever sobre ele. Não é coisa sobre a qual se criem leis, que o façam comportar-se da mesma forma, segundo a regra A ou B.
O sofrimento é subjectivo, não quantificável, único, pessoal e intransmissível. Aquela frase "Partilha o que sentes comigo!" não acontece. Quem sofre pode não partilhar tudo, assim como quem ouve pode não receber esse sofrimento libertado na sua totalidade.
Sofrer é um acto solitário, na sua verdadeira essência.
Pode existir um "Nós" que sofre acerca do mesmo acontecimento, mas será sempre um sofrimento colectivo composto por diferentes unidades, quantas esse "Nós" encerrar em si.
Tudo isto para dizer que escolhi viver à margem do real... isto porque não sou capaz de viver a verdadeira realidade. Tenho medo do que poderei encontrar. Estarei a limitar o sofrimento? Não sei... (que outra resposta poderia eu dar senão esta)
No entanto ficam as memórias. As memórias que a duração daquilo que vivi, até agora, me deixam guardar...
Guardo para mim aquilo que ambas as vidas viveram em conjunto...
- a primeira, e mais antiga, que me invade a mente é o pacote de bolachas azul... como recompensa da companhia;
- Depois tenho, em maior número, as mais recentes... Lembro-me, essencialmente, da despersonalização, da perda daquilo que foi e do que era, do nascer de um mundo próprio rodeado por altos muros difíceis de penetrar
- Por último, as do cuidar dela, do sofrimento mais agudizante.
Tenho pena de só recordar, com mais intensidade e clareza mental, a do pacote de bolachas azuis... (há dias constatei que já mudaram a embalagem. Já não é azul).
É assim o fim...
Um beijinho, caso não tenha coragem de o dar.